segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A Fábula dos Porcos Assados e o Sistema Educacional Brasileiro


A Fábula dos Porcos Assados                                                                                                                                                                                                                                                                        [1] Por Maura da Silva Miranda

Convido o leitor a uma reflexão sobre o Sistema Educacional brasileiro tomando com base analógica uma fábula, a dos Porcos Assados. Seu texto original, em espanhol, é uma das possíveis variações de uma velha história sobre a origem do assado. Ele circulou entre os alunos do curso de pós graduação da Universidade de Piracicaba, em 1981. O autor, pouco difundido entre a comunidade acadêmica, de forma sutil, satiriza como funcionam as engrenagens de um sistema de assar porcos, dispendioso e ineficiente, que persiste em existir apesar das inúmeras tentativas de mudanças de métodos, propostas por especialista, para reformulá-lo. O conteúdo implícito na fábula e a forma como este é abordado fez com que imediatamente o texto chamasse a atenção de alunos e professores em muitas universidades e demais instituições de ensino no Brasil, convertendo-se em tema de conversas e debates acerca do sistema educacional.

Na narrativa, o autor relata que aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, sendo, portanto, todos assados pelo fogo. Os homens acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. A partir daí, toda vez que queriam comer um porco assado, incendiavam o bosque. Tal procedimento passou a ser utilizado em grande escala, para TODOS. Milhões eram os que se alimentavam e os que se ocupavam da tarefa. Por isso, foi montada uma grande estrutura, um Sistema de Assar Porcos, com instituições próprias, indivíduos dedicados e especializados em cada função.

Tendo esta prática se ampliado, os estragos causados pelos incêndios eram igualmente grandes e preocupavam a todos os envolvidos. O Sistema não deveria falhar. Porém, à medida que atingia maiores escalas, maiores também eram as perdas e as falhas. As causas do fracasso do Sistema eram avaliadas por diversos especialistas, sendo difícil detectar seu problema, porque o mesmo era muito complexo. Muitos eram os que estudavam e investigavam novas formas de ampliá-lo cada vez mais e combater, paralelamente, o seu fracasso. Muitos foram os seminários, os congressos, as palestras, os estudos, as pesquisas realizadas para corrigir tal situação. O número de técnicos envolvidos no processo aumentava a cada ano: eram incendiadores, apagadores de fogo, especialistas em vento, especialistas em serviços meteorológicos, diretores de técnicas alimentícias, de assamentos...

Até que um dia um cidadão simples, Sr. João Senso Comum, resolve propor uma atitude simples, eficiente e eficaz que resolveria o problema: tudo consistiria em matar um único porco por vez, que após limpo e cortado adequadamente, seria assado em temperatura e tempo no ponto certo. Mas, o esquisito é que a solução para o fracasso do Sistema causaria um caos social, desencadearia uma onda de desempregos e desmontaria toda uma estrutura burocraticamente montada.

Este texto intrigante, com uma linguagem simples, remete ao leitor, uma análise profunda do sistema educacional brasileiro: um sistema burocraticamente montado, com fins diversos, herdados de uma política de ajustes. Muitas foram as leis, os decretos e as emendas constitucionais que visavam assegurar uma educação pública, gratuita e de qualidade. Mas, na prática, o ensino público brasileiro persistiu na perpetuação de uma história perversa de inversão de direitos.

As estratégias utilizadas para combater o fracasso do Sistema de Ensino, são, em muito, parecidas com as utilizadas no Sistema de Assar Porcos. Muitos foram os teóricos, muitos foram os métodos propostos para mudar esse Sistema. O problema inicialmente era o acesso e, para resolvê-lo, foram construídas escolas em todo o país. A educação passou a ser para TODOS. Mas, como essa ampliação aconteceu sem planejamento, os problemas aumentaram. Percebeu-se depois, que apesar da universalização, muitos cidadãos continuavam analfabetos,  provocando assim o surgimento de diversos programas de alfabetização. Depois, o problema apontado foi a falta de recursos financeiros, o que levou ao acréscimo de seus respectivos percentuais. Em seguida, a culpa passou a ser a centralização da gestão dos recursos. Estes foram descentralizados diretamente para a escola. Depois, o agravante foi a evasão, o que fez surgir muitos programas sociais que passaram a exigir a freqüência do aluno na escola. Não obstante, o problema passou a ser a repetência – foi comprovado que o aluno passa 50% de tempo a mais na escola, o que implica em gastos de tempo e dinheiro desnecessários – e, por isso, foram elaborados por especialistas diversos programas de regularização do fluxo escolar para combater a distorção idade/série. Recentemente, o maior problema apontado foi o baixo desempenho na aprendizagem dos alunos, provocado principalmente pela falta de qualificação profissional dos profissionais da educação. Para sanar esta deficiência no sistema, tem se visto faculdades, ISE e, mais recentemente, universidades presenciais e à distância, sendo criadas em todo o Brasil, visando promover a formação inicial e continuada dos profissionais para assegurar a elevação da qualidade do ensino público. Mas, até então, a situação não é das melhores se comparada a países que investem menos que o Brasil em educação, com a Finlândia. Entretanto, a realidade é histórica e pode ser mudada.

Têm sido muitos os gastos, os financiamentos, as pesquisas, os planos, os programas... que visam efetivar no Brasil um Sistema de Ensino Público de qualidade social. Mas, a situação educacional brasileira ainda é, por demais, agravante. Ao estudante da escola pública é reservada uma escola desigual, classificatória e excludente. Apesar de a Constituição de 1988 defender a educação como um direito subjetivo de todo cidadão e estabelecer a necessidade da existência de um padrão nacional mínimo de qualidade, apesar dos muitos avanços observados nos últimos anos, ninguém, em sã consciência, afirma que a realidade educacional brasileira proporciona iguais condições de escolarização para todo cidadão. Basta comparar os índices de rendimento dos alunos das escolas públicas e das particulares, os índices de movimento dos alunos da zona urbana e do campo, ou mesmo os índices da região sudeste com os do nordeste. É notória a limitação do ensino público em promover o desenvolvimento pleno do indivíduo, para o exercício de sua cidadania, sua preparação para a vida e qualificação para o trabalho, como assegura a LDB 9394/96 em seu art. 2 de forma equalizada em todo o país.

Para que mudanças mais significativas aconteçam é necessário o comprometimento de todos. Todo cidadão brasileiro, assim como o Sr. João Senso Comum, percebe a ineficiência do Sistema Público de educação e pode ser um sujeito provocador de mudanças. O Estado democrático se sustenta na auto-organização da sociedade e na atuação dos sujeitos políticos que o constroem e o reconstroem, cotidianamente. Assim, há muitos “João Senso Comum” que podem e devem colaborar na efetivação das políticas públicas educacionais. Reconhecendo tal capacidade da sociedade, é que Anísio Teixeira, dentre outros educadores, defende no Manifesto dos Pioneiros a autonomia dos municípios e da escola na elaboração de suas políticas educacionais. Segundo eles, os sujeitos são conhecedores de suas realidades e, assumindo o poder local, poderão propor ações mais efetivas, de forma a promover uma educação condigna em todos os recantos deste país. Foi por acreditar no poder do cidadão que Paulo Freire também defendeu a idéia de uma escola pública que fosse capaz de transformar os sujeitos para que estes pudessem intervir em suas realidades.
Reinvertar a escola pública e implantar um sistema educacional eficiente, justo e igualitário, exigem esforços dos governos e vontade política da sociedade como um todo. Não pode ser fruto da idealização de alguns, mas, uma luta de todos para fazer valer os direitos assegurados em lei. Afinal, como bem observou Guimarães Rosa “(...) uma coisa é por idéias bem arrojadas, outra coisa bem diferente é lidar com o país e com as pessoas, de carne, sangue e de mil e uma misérias”.

É impressionante a reflexão que uma fábula, aparentemente simples, como a dos porcos assados pode evocar. O texto nos faz suscitar estes, dentre tantos outros problemas do Sistema Educacional Brasileiro. Mas, para além do reconhecimento dos nossos gargalos educacionais, sua leitura inquieta e convoca todo leitor, que acredita no desenvolvimento das pessoas pelo viés da educação, a se comprometer com a causa. Desperta ainda, a consciência de que TODOS somos sujeitos das transformações que queremos, sim, ver na escola pública deste nosso País. Afinal, a educação – dever do Estado e da Família – tem um lugar privilegiado no campo dos direitos sociais e é ao mesmo tempo determinada e determinante na construção e desenvolvimento de uma nação que se propõe soberana, sendo por isso, uma luta relevante e necessária.



[1] Mestre em Gestão e Políticas da Educação/UFBA. 

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