A Fábula dos Porcos Assados [1] Por Maura
da Silva Miranda
Convido o leitor a uma reflexão
sobre o Sistema Educacional brasileiro tomando com base analógica uma fábula, a
dos Porcos Assados. Seu texto original, em espanhol, é uma das possíveis
variações de uma velha história sobre a origem do assado. Ele circulou entre os
alunos do curso de pós graduação da Universidade de Piracicaba, em 1981. O
autor, pouco difundido entre a comunidade acadêmica, de forma sutil, satiriza
como funcionam as engrenagens de um sistema de assar porcos, dispendioso e
ineficiente, que persiste em existir apesar das inúmeras tentativas de mudanças
de métodos, propostas por especialista, para reformulá-lo. O conteúdo implícito
na fábula e a forma como este é abordado fez com que imediatamente o texto
chamasse a atenção de alunos e professores em muitas universidades e demais
instituições de ensino no Brasil, convertendo-se em tema de conversas e debates
acerca do sistema educacional.
Na narrativa, o autor relata que
aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, sendo, portanto, todos
assados pelo fogo. Os homens acostumados a comer carne crua, experimentaram e
acharam deliciosa a carne assada. A partir daí, toda vez que queriam comer um
porco assado, incendiavam o bosque. Tal procedimento passou a ser utilizado em
grande escala, para TODOS. Milhões eram os que se alimentavam e os que se
ocupavam da tarefa. Por isso, foi montada uma grande estrutura, um Sistema de
Assar Porcos, com instituições próprias, indivíduos dedicados e especializados
em cada função.
Tendo esta prática se ampliado, os estragos causados pelos incêndios eram igualmente grandes e preocupavam a todos os envolvidos. O Sistema não deveria falhar. Porém, à medida que atingia maiores escalas, maiores também eram as perdas e as falhas. As causas do fracasso do Sistema eram avaliadas por diversos especialistas, sendo difícil detectar seu problema, porque o mesmo era muito complexo. Muitos eram os que estudavam e investigavam novas formas de ampliá-lo cada vez mais e combater, paralelamente, o seu fracasso. Muitos foram os seminários, os congressos, as palestras, os estudos, as pesquisas realizadas para corrigir tal situação. O número de técnicos envolvidos no processo aumentava a cada ano: eram incendiadores, apagadores de fogo, especialistas em vento, especialistas em serviços meteorológicos, diretores de técnicas alimentícias, de assamentos...
Tendo esta prática se ampliado, os estragos causados pelos incêndios eram igualmente grandes e preocupavam a todos os envolvidos. O Sistema não deveria falhar. Porém, à medida que atingia maiores escalas, maiores também eram as perdas e as falhas. As causas do fracasso do Sistema eram avaliadas por diversos especialistas, sendo difícil detectar seu problema, porque o mesmo era muito complexo. Muitos eram os que estudavam e investigavam novas formas de ampliá-lo cada vez mais e combater, paralelamente, o seu fracasso. Muitos foram os seminários, os congressos, as palestras, os estudos, as pesquisas realizadas para corrigir tal situação. O número de técnicos envolvidos no processo aumentava a cada ano: eram incendiadores, apagadores de fogo, especialistas em vento, especialistas em serviços meteorológicos, diretores de técnicas alimentícias, de assamentos...
Até que um dia um cidadão
simples, Sr. João Senso Comum, resolve propor uma atitude simples, eficiente
e eficaz que resolveria o problema: tudo consistiria em matar um único porco
por vez, que após limpo e cortado adequadamente, seria assado em temperatura e
tempo no ponto certo. Mas, o esquisito é que a solução para o fracasso do
Sistema causaria um caos social, desencadearia uma onda de desempregos e
desmontaria toda uma estrutura burocraticamente montada.
Este texto intrigante, com uma
linguagem simples, remete ao leitor, uma análise profunda do sistema
educacional brasileiro: um sistema burocraticamente montado, com fins diversos,
herdados de uma política de ajustes. Muitas foram as leis, os decretos e as
emendas constitucionais que visavam assegurar uma educação pública, gratuita e
de qualidade. Mas, na prática, o ensino público brasileiro persistiu na
perpetuação de uma história perversa de inversão de direitos.
As estratégias utilizadas para
combater o fracasso do Sistema de Ensino, são, em muito, parecidas com as
utilizadas no Sistema de Assar Porcos. Muitos foram os teóricos, muitos foram
os métodos propostos para mudar esse Sistema. O problema inicialmente era o
acesso e, para resolvê-lo, foram construídas escolas em todo o país. A educação
passou a ser para TODOS. Mas, como essa ampliação aconteceu sem planejamento, os problemas aumentaram. Percebeu-se depois, que
apesar da universalização, muitos cidadãos continuavam analfabetos, provocando assim o surgimento de
diversos programas de alfabetização. Depois, o problema apontado foi a falta de
recursos financeiros, o que levou ao acréscimo de
seus respectivos percentuais. Em seguida, a culpa passou a ser a centralização
da gestão dos recursos. Estes foram
descentralizados diretamente para a escola. Depois, o agravante foi a
evasão, o que fez surgir muitos programas sociais que passaram a exigir a
freqüência do aluno na escola. Não obstante, o problema passou a ser a
repetência – foi comprovado que o aluno passa 50% de tempo a mais na escola, o
que implica em gastos de tempo e dinheiro desnecessários – e, por isso, foram
elaborados por especialistas diversos programas de regularização do fluxo
escolar para combater a distorção idade/série. Recentemente, o maior problema apontado
foi o baixo desempenho na aprendizagem dos alunos, provocado principalmente pela
falta de qualificação profissional dos profissionais da educação. Para sanar
esta deficiência no sistema, tem se visto faculdades, ISE e, mais recentemente,
universidades presenciais e à distância, sendo criadas em todo o Brasil, visando
promover a formação inicial e continuada dos profissionais para assegurar a
elevação da qualidade do ensino público. Mas, até então, a situação não é das
melhores se comparada a países que investem menos que o Brasil em educação, com
a Finlândia. Entretanto, a realidade é histórica e pode ser mudada.
Têm sido muitos os gastos, os
financiamentos, as pesquisas, os planos, os programas... que visam efetivar no
Brasil um Sistema de Ensino Público de qualidade social. Mas, a situação
educacional brasileira ainda é, por demais, agravante. Ao estudante da escola pública
é reservada uma escola desigual, classificatória e excludente. Apesar de a
Constituição de 1988 defender a educação como um direito subjetivo de todo
cidadão e estabelecer a necessidade da existência de um padrão nacional mínimo
de qualidade, apesar dos muitos avanços observados nos últimos anos, ninguém,
em sã consciência, afirma que a realidade educacional brasileira proporciona iguais
condições de escolarização para todo cidadão. Basta comparar os índices de rendimento
dos alunos das escolas públicas e das particulares, os índices de movimento dos
alunos da zona urbana e do campo, ou mesmo os índices da região sudeste com os
do nordeste. É notória a limitação do ensino público em promover o
desenvolvimento pleno do indivíduo, para o exercício de sua cidadania, sua
preparação para a vida e qualificação para o trabalho, como assegura a LDB
9394/96 em seu art. 2 de forma equalizada em todo o país.
Para que mudanças mais
significativas aconteçam é necessário o comprometimento de todos. Todo cidadão
brasileiro, assim como o Sr. João Senso
Comum, percebe a ineficiência do Sistema Público de educação e pode ser um
sujeito provocador de mudanças. O Estado democrático se sustenta na
auto-organização da sociedade e na atuação dos sujeitos políticos que o
constroem e o reconstroem, cotidianamente. Assim, há muitos “João Senso Comum” que podem e devem
colaborar na efetivação das políticas públicas educacionais. Reconhecendo tal
capacidade da sociedade, é que Anísio Teixeira, dentre outros educadores,
defende no Manifesto dos Pioneiros a autonomia dos municípios e da escola na
elaboração de suas políticas educacionais. Segundo eles, os sujeitos são
conhecedores de suas realidades e, assumindo o poder local, poderão propor ações
mais efetivas, de forma a promover uma educação condigna em todos os recantos
deste país. Foi por acreditar no poder do cidadão que Paulo Freire também defendeu
a idéia de uma escola pública que fosse capaz de transformar os sujeitos para
que estes pudessem intervir em suas realidades.
Reinvertar a escola pública e
implantar um sistema educacional eficiente, justo e igualitário, exigem
esforços dos governos e vontade política da sociedade como um todo. Não pode
ser fruto da idealização de alguns, mas, uma luta de todos para fazer valer os
direitos assegurados em lei. Afinal, como bem observou Guimarães Rosa “(...) uma coisa é por idéias bem arrojadas,
outra coisa bem diferente é lidar com o país e com as pessoas, de carne, sangue
e de mil e uma misérias”.
É impressionante a reflexão que
uma fábula, aparentemente simples, como a dos porcos assados pode evocar. O
texto nos faz suscitar estes, dentre tantos outros problemas do Sistema
Educacional Brasileiro. Mas, para além do reconhecimento dos nossos gargalos
educacionais, sua leitura inquieta e convoca todo leitor, que acredita no
desenvolvimento das pessoas pelo viés da educação, a se comprometer com a
causa. Desperta ainda, a consciência de que TODOS somos sujeitos das
transformações que queremos, sim, ver na escola pública deste nosso País.
Afinal, a educação – dever do Estado e da Família – tem um lugar privilegiado
no campo dos direitos sociais e é ao mesmo tempo determinada e determinante na
construção e desenvolvimento de uma nação que se propõe soberana, sendo por
isso, uma luta relevante e necessária.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir